Como gerar impactos sociais e promover ações positivas na moda, conheça o Instituto Ecotece

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[Grupo de Mães Oca – um dos 16 grupos apoiados pelo Ecotece]

A relação entre moda e sustentabilidade é um tema recente no país, mas que está gradualmente ganhando importância e visibilidade já que estamos mais informados e conscientes sobre os inúmeros problemas encontrados na indústria da moda atualmente.

Sabemos que precisamos mudar nossa maneira de atuar para construir uma moda que respeita às pessoas e o planeta e, para nos auxiliar nessa transformação surge o Instituto Ecotece que há mais de 10 anos atua com a temática da moda sustentável no país.

O Ecotece acredita que “pode-se abrir caminhos de mudança e tecer um mundo melhor humanizando os processos produtivos e promovendo mais inclusão, satisfação e conexão entre os envolvidos da cadeia da moda: criadores, produtores e consumidores”.

O SDF conversou com a Lía Spínola, diretora do Instituto, para nos contar sobre o trabalho que desenvolvem e como geram impactos sociais e promovem juntamente às marcas, designers e grupos produtivos ações positivas na moda e na vida de cada um.

1.  Poderia nos contar como surgiu o Ecotece e qual a missão do Instituto?

O Instituto Ecotece é uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) fundada em 2005, pela jornalista Ana Candida Zanesco que visa gerar soluções criativas na moda por meio da educação e do desenvolvimento de produtos sustentáveis.

Na época a Ana Zanesco trabalhava como assessora de imprensa de um desfile voltado para estudantes, que já não existe mais, o Eco Fashion Brasil. Devido a esse trabalho a Ana foi buscar informações sobre moda e sustentabilidade e percebeu que não existiam ou que eram de difícil acesso, no Brasil não tinha nada sobre o assunto e lá fora ainda era um tema incipiente. Então a Ecotece nasce como um portal que reunia informações, cases, estudos, pessoas, um pouco de tudo relacionando o que significava sustentabilidade e moda, um portal um pouco mais acadêmico.

A missão do Ecotece é construir uma cadeia de moda mais humana e sustentável, que promova a produção e o consumo responsáveis, a proteção do meio ambiente e inclusão social.

2. Como vocês atuam e quais serviços oferecem?

Nesses 11 anos muita coisa aconteceu no Ecotece, deixamos de ser um portal de informação e atualmente trabalhamos desenvolvendo projetos em três frentes de atuação: educação, desenvolvimento de produtos e fomento social.

Na área de educação, no momento, trabalhamos com 3 projetos principais:

·         Comunidade Ecofashion: projeto que usa a moda como um meio facilitador para trabalharmos assuntos complexos junto às crianças das periferias de Mauá e Santo André. Através de oficinas de desenvolvimento de produtos com materiais recicláveis, levantamos esses assuntos, confeccionamos roupas que depois são desfiladas e, por fim acontece uma exposição. São 10 escolas, 300 crianças impactadas, e agora em 2017 vamos ter a exposição do projeto do ano passado e começaremos um novo Comunidade Ecofashion que dobrará de tamanho, trabalharemos com 600 crianças.

·         Renda Renascença, estudamos e promovemos cursos no Instituto já há muitos anos ligados a essa técnica. A proposta é que possamos compreender melhor a técnica da renda e também “popularizar” no sentido de que mais pessoas tenha acesso a esse aprendizado, pois hoje em dia está muito restrito, são mulheres no nordestes já senhoras, enfim tem pouca gente produzindo.

·         Também organizamos palestras e algumas atuações junto às empresas.

A segunda área do Ecotece é o desenvolvimento de produtos e a terceira é o fomento social, essas duas áreas estão superconectadas.

O principal projeto da frente desenvolvimento de produtos é o Ecotece +: a proposta é fazer parcerias com marcas de moda que estejam alinhadas aos nossos valores, como uma consultoria, trabalhamos com essas marcas no primeiro momento, auxiliando nos produtos que irão produzir. Nossos expertises são: a) consultoria de materiais – parcerias e mapeamento com todos fornecedores de matérias-primas brasileiras;

b) desenvolvimento de produtos – producão de modelagem, ficha técnica e graduação;

c) depois que esse produto está pensado e fechado, o Ecotece tem um serviço de gestão produtiva, que está conectado com a nossa terceira frente de atuação, o fomento social.

A gestão produtiva é sempre realizada com a nossa rede de grupos, hoje são 16 grupos apoiados.  São sempre grupos em situação de alguma vulnerabilidade e grupos ligados ao Comércio Justo e a Economia Solidária, sendo uma das principais características a alto gestão.

Hoje, temos dois perfis principais na nossa rede: grupos de mulheres dentro de comunidades carentes e grupos da saúde mental. Cada grupo vai ter uma especialidade distinta, por exemplo, grupo de costura, no qual é dividido por: grupo de malharia, tecido plano e sempre separado por níveis. Tem grupos que já estão em uma fase mais avançada, que costuram muito bem e que conseguem produzir peças mais complexas, e temos também grupos de costura de base que fazem sacolas, por exemplo, que entendemos que é a primeira etapa.

Também temos diversos grupos artesanais, com técnicas de tricô, crochê, renda renascença, tear e técnicas de estampa.

A gente atua com os grupos de duas maneiras:

·         Através de incubações para grupos, com o programa Lab Moda Mais, apoiamos grupos em três frentes principais: a) comercial e negócios – basicamente seria o grupo entender bem o que ele tem de expertise e que nível que está e como ele se conecta com o mercado (perfil de cliente e como chegar nele). Nesse programa temos um módulo com várias etapas que são trabalhadas dentro das incubações ligadas a esse tema; b) a outra frente é ligada a técnica – desenvolvimento para que eles estejam cada vez melhores naquilo que eles fazem; c) e o terceiro assunto é a gestão produtiva – trabalhamos questões como, calendário, qualidade, organização da produção.

Todos os grupos que são incubados continuam na nossa rede, vamos captando demandas específicas para esses grupos, acompanhando a produção e auxiliando o grupo em tudo que for necessário principalmente nos três aspectos mencionados acima.

3. Qual o perfil das marcas que trabalham com o Instituto?

São sempre marcas que a gente acredita que esteja aliada com o que acreditamos e com os nossos valores. Não necessariamente sejam marcas sustentáveis, hoje temos três principais tipos de marcas que chegam até nós:

– Marcas que já tem um DNA sustentável dentro delas há muito tempo, como é o caso da marca Flavia Aranha, parceira Ecotece já há muitos anos.

– Marcas jovens e, é o que tem acontecido bastante nos últimos anos, várias marcas que já nascem com a questão da sustentabilidade, então temos um braço que vai apoiar a implementação dessas marcas novas.  

– Marcas que não são sustentáveis, mas estão começando a repensar seus processos e pouco a pouco estão mudando as suas políticas e a sua cadeia produtiva, por exemplo, o projeto que fizemos com a marca Cavalera.

4. O Instituto Ecotece trabalha há mais de 10 anos com moda sustentável, como vocês analisam a evolução do tema nos últimos anos? Acreditam que está havendo uma mudança no comportamento das pessoas e das empresas?

Eu acredito que estamos evoluindo muito, quando o Ecotece nasceu não existia nenhuma relação entre sustentabilidade e moda, durante vários anos, a gente se aproximou de empresas e indústrias de outros setores, pois o diálogo com a moda era inexistente e muito difícil no começo, não havia abertura.

Então, acredito que as coisas estão mudando muito, acho que primeiro vieram novas marcas, de pessoas que estavam saindo da faculdade ou tinham estudado fora do Brasil, pessoas engajadas querendo lançar marcas e projetos já com esse conceito.

E agora eu vejo também uma mudança nas marcas já estabelecidas, é bastante recente, mas está ganhando poder. Estamos vendo grandes empresas, varejistas, como C&A, com institutos que estão mudando sua missão e focando na questão de sustentabilidade.

Muita coisa tem acontecido e muita coisa ainda vai acontecer, mas ainda estamos engatinhando. Notemos pesquisas aqui no Ecotece que dizem que a moda está 20 anos atrás, em termos de consciência do consumidor, da indústria de alimentos, particularmente acredito que estamos ainda mais longe.

5. Para vocês, qual é o principal problema da indústria da moda atualmente e como o Ecotece colabora para a mudança?

Acho que todos, a indústria da moda é muito complexa, ela é muito grande e há problemas em todas as etapas da cadeia, desde a plantação da matéria-prima até chegar na utilização das roupas pelos consumidores.

Eu acredito que não existe nenhuma solução pré-pronta e que nenhum projeto nem nenhuma empresa vai conseguir lidar com esse assunto na sua totalidade. Então, eu acredito que a mudança está aí entre esses diversos atores, projetos e empresas que estão engajados em atuar em algum ponto dessa problemática.

No caso do Ecotece, já fizemos muitas coisas e atuamos em diversos assuntos e, para os próximos anos, temos como diretriz a atuação na humanização dos processos produtivos, promovendo mais inclusão, satisfação e conexão entre os envolvidos da cadeia de moda, criadores, produtores e consumidores. Então, estamos muito focados nessa conexão das marcas de moda junto aos grupos que produzem, tanto no fortalecimento dessa relação quanto, também trazendo pessoas que de alguma maneira trabalham com moda mas que não conseguem atuar de uma maneira ética ou fortalecida junto a esse mercado.

6. Hoje, fala-se muito sobre comércio justo/fairtrade, porque devemos dar atenção a esse tema? E como saber se uma marca/empresa realmente pratica o Comércio Justo?

Acredito que o Comércio Justo é bastante importante em relação à descentralização do dinheiro, é conseguir distribuir melhor os poderes e as parcerias, levando trabalhos, por exemplo, para as comunidades ou para grupos e empresas menores, mais distantes que estão dentro de comunidades e fomentando mais o empreendedorismo.

O Comércio Justo possui diversas diretrizes de valorização bastante importantes que tem um bom diálogo com a moda.

Agora para saber se uma marca realmente pratica o comércio justo é complicado, certo?! Porque não temos como saber exatamente o que está acontecendo dentro de uma marca, mas quanto mais transparente, contar histórias e demonstrar um pouco do que estão fazendo mais podemos conhecer sobre a marca e seus processos.

No olhar do consumidor é sempre mais complexo, acredito que tem que reparar nas parcerias, por exemplo, quando uma marca se associa ao Ecotece, por exemplo, nós podemos garantir o que está sendo feito dentro do Instituto, tudo está alinhado às políticas do Comércio Justo, não nos associamos com qualquer um.

Mas, claro não temos como garantir que todas as coisas são corretas dentro da marca, porque isso é inviável, porque nem grandes auditores tem como auditar uma marca hoje. Infelizmente ou felizmente vamos ainda pelo bom senso e confiança, porém, infelizmente, não é possível confiar em tudo que as marcas fazem.

7. Para vocês qual a importância da valorização da mão de obra e desenvolvimento de comunidades na indústria da moda?

A importância é que basicamente quando falamos em moda sustentável um dos principais pilares é a valorização das pessoas, e parte dessa questão, não sua totalidade, está ligada também ao dinheiro, a promover boas relações de trabalho, abertura para o diálogo e boas condições de trabalho. Acho que essa é a grande questão.

Em termo de desenvolvimento das comunidades é o que já comentei sobre a descentralização dos recursos.

8. Qual o papel dos consumidores para ajudar a construir uma moda mais justa e sustentável?

Eu acho que temos muito poder como consumidores, às vezes eu penso que temos mais poder como consumidores do que como eleitores, por exemplo. Isso no sentido de que nós estamos fazendo as escolhas com muito mais proximidade. No momento em que você decide ir a uma loja tal, comprar a roupa tal que é feita por tal material, por mais que ainda temos dificuldades de compreender o que está por trás dessa peça, por trás dessa empresa, acho que ainda conseguimos ter mais informações do que, por exemplo, do candidato que vamos votar. A gente entre na loja, pega peça, pode ver o que tem dentro, tem uma etiqueta, falar com os vendedores, com o dono,cada vez mais a mídia e os sites das empresas contam muita coisa.

Para saber mais sobre o Instituto Ecotece e acompanhar seus projetos acesse o site: http://ecotece.org.br e acompanhe suas redes sociais: Instagram e Facebook  

Porque precisamos entender como funciona a produção de nossas roupas

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Estamos tão desconectados da fabricação de nossas roupas e das coisas que compramos que é muito comum esquecermos que, por trás da produção de uma simples peça, há uma longa cadeia que envolve inúmeras pessoas e recursos. Do cultivo do algodão até transformá-lo em fio e depois em tecido, do tingimento à costura, do transporte e distribuição às lojas.

A cadeia produtiva têxtil e de vestuário geralmente é bem vasta e complexa. Para termos uma ideia dessa complexidade, o infográfico abaixo – desenvolvido pela equipe Scraps: Fashion Textiles and Creative Reuse – nos ajuda a visualizar todas as etapas.

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para visualizar em português use o app do google tradutor

 

Quanto mais extensa for essa cadeia mais difícil para a empresa conseguir manter o controle sobre ela. A grande maioria das marcas hoje terceirizam sua produção e, muitas delas, não sabem onde, por quem e em que condições são feitos seus produtos.

Se desconhecemos o que está acontecendo, como corrigir o problema? Por isso, o primeiro passo para a mudança é a transparência.

E é acreditando nisso que a Ong inglesa Fashion Revolution juntamente com a Ethical Consumerpublicaram um relatório chamado Fashion Transparency Index (índice de transparência na moda, em tradução livre) que classifica as empresas de acordo com o nível de transparência em sua cadeia de suprimentos.

A primeira edição do Fashion Transparency Index inclui 40 das maiores marcas globais de moda, que foram selecionadas com base no volume de negócios anual. O objetivo foi descobrir o que essas empresas estão fazendo para melhorar os padrões sociais e ambientais e o quanto dessas informações são compartilhadas com o público. Veja as marcas aqui.

“Being transparent creates the opportunity for collaborative action between companies, governments, NGOs, unions and the public to work towards building a fairer, cleaner and safer fashion industry”, Fashion Transparency Index.

Outra iniciativa que ajuda a identificar práticas das empresas é a Know the Chain, que avaliou os esforços de 20 empresas do setor de vestuário e calçados para proteger e erradicar o trabalho análogo ao escravo em suas cadeias produtivas globais. Veja as marcas aqui.

A marca de roupas esportivas Patagonia é referência no setor, pois informa aos seus clientes todo o ciclo de produção de uma peça e quais os custos ambientais e sociais para que ela seja feita. Todas as informações estão disponíveis no site da marca. Veja o mini documentário “Fair Trade: the first step” (comércio justo, o primeiro passo) realizado pela marca.

Já a empresa americana Planet Money criou uma série de vídeos no qual explica, em cada capítulo, uma etapa do processo de fabricação de sua camiseta. O objetivo é contar a história das roupas e das pessoas por trás delas.

No Brasil, vemos iniciativas como a Moda Livre, já citada no Blog SDF, um aplicativo avalia as principais varejistas de roupa do Brasil e empresas que já foram flagradas pelos fiscais do Ministério do Trabalho (MTE) em casos de trabalho escravo.

Além de marcas como Flavia Aranha e Catarina Mina, que expõem ao consumidor todas as informações a respeito das etapas de suas produções e as pessoas envolvidas. Muitas marcas estão adotando ferramentas que ajudam a rastrear todo o processo de produção e buscam certificações, como a Certificação de Fornecedores – ABVTEXe o Sistema B, por exemplo.

Já como consumidores, a partir do momento que temos informações a respeito e entendemos como são fabricadas as peças de roupas, calçados ou qualquer coisa que compramos, temos mais consciência de todo esforço e recursos necessários. Como consequência, faremos melhores escolhas em cada compra, além de pressionar as empresas e governos por mais transparência e soluções.

Sabemos que qualquer produto para existir gera impactos, sociais e ambientais, por isso, informação e transparência são fundamentais para que as marcas possam identificar e ajustar os problemas encontrados.


Referências

http://www.ecouterre.com/this-graphic-sums-up-how-complex-the-fashion-supply-chain-is/

http://fashionrevolution.org/wp-content/uploads/2016/04/FR_FashionTransparencyIndex.pdf

http://fashionrevolution.org/como-a-transparencia-pode-ajudar-a-transformar-a-industria-da-moda/